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LUZ, CÂMERA, AÇÃO

Resenha e fotos: "O Pianista" retrata polonês que sobreviveu ao Holocausto

Nesta edição do quadro "Luz, Câmera, Ação", o escritor Felipe Figueira acrescentou fotos de sua viagem à Polônia, local onde se passa no filme.

Publicado em 26/05/2024 às 15:05
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Região reconstruída do “Gueto de Varsóvia”, onde Szpilman e sua família foram forçados a ir.

Nesta edição do quadro "Luz, Câmera, Ação", o professor e escritor Felipe Figueira fala sobre o filme “O Pianista". Nesta resenha, ele inseriu fotos de sua viagem à Varsóvia, local onde se passa o filme.


Por Felipe Figueira

Eu já assisti em torno de dez vezes ao multipremiado filme “O Pianista”, de Roman Polanski, e a cada vez que me entrego à película é realmente uma entrega, em que procuro me colocar no lugar do protagonista, o pianista polonês Wladysław Szpilman (Adrien Brody). É certo que é impossível a integralidade dessa entrega, mas, sem ela, assistir a esse filme perde parte do sentido, pois se trata de uma obra baseada na vida real.

A obra do premiado e polêmico cineasta Roman Polanski, autor do clássico filme de terror “O bebê de Rosemary” (1968), trata de um período horrível da história: a perseguição nazista aos judeus poloneses na Segunda Guerra Mundial, e serve como um documento histórico. A família de Szpilman, que vivia tranquila, sofreu um profundo abalo tanto de ordem pessoal quanto profissional. Pessoal, pois pouco a pouco os laços familiares foram rompidos por separações e por mortes; e profissional, pois o artista sequer podia desenvolver o seu ofício, o seu talento, tendo inclusive que vender o piano para poder alimentar a família. Tudo isso lembra os dizeres de Hannah Arendt (2013, p. 8), ela própria uma refugiada, em “Nós, os refugiados”: “(...) o nosso optimismo é admirável, mesmo que sejamos nós a dizê-lo. A história da nossa luta finalmente tornou-se conhecida. Perdemos a nossa casa o que significa a familiaridade da vida quotidiana. Perdemos a nossa ocupação o que significa a confiança de que tínhamos algum uso neste mundo. Perdemos a nossa língua o que significa a naturalidade das reacções, a simplicidade dos gestos, a expressão impassível dos sentimentos. Deixámos os nossos familiares nos guetos polacos e os nossos melhores amigos foram mortos em campos de concentração e tal significa a ruptura das nossas vidas privadas.”

 Ao longo da obra, Szpilman cada vez mais se isola, até porque o ambiente familiar é rompido. E porque há essa ruptura? Porque os seus familiares são exterminados, mas ele, em razão de seu aclamado talento, é poupado, o que gera uma cena comovente na obra, quando ele se vê separado dos pais quando estes já embarcavam no trem para o campo de extermínio em Treblinka, cidade polonesa que fica a cerca de 100 quilômetros de Varsóvia. Porém, ser poupado não implicou uma vida de regalias, mas o levou a privações atrás de privações, e a muitos favores.

É importante ver como que o ator principal, Adrian Brody, perde peso a ponto de ficar esquálido ao longo do drama. Por sua atuação, recebeu o Oscar de Melhor Ator aos 29 anos, tornando-se o ator mais jovem a recebê-lo. A busca pela sobrevivência, os momentos incontáveis de tensão e o desenrolar da guerra fazem com que o espectador fique o tempo todo tenso.

Por mais que eu não goste de filmes que tracem um rígido maniqueísmo, no caso em tela esse método não prejudica a história e chega a ser didático, pois ajuda a definir e a exemplificar o que foi o nazismo e o Holocausto. E o que foi ou o que pode definir esse movimento totalitário? Para ter como norte o livro do próprio Hitler, “Minha luta”, a base do nazismo é o racismo, isto é, com o nazismo se visa um estado racista, sendo que um dos públicos principais a serem exterminados era o dos judeus (mas não só!). Nos termos de Hitler (2016, p. 291-292), a concepção racista visa “(...) promover a vitória dos melhores, dos mais fortes e exigir a subordinação dos piores, dos mais fracos (...) Não pode aprovar, porém, a ideia ética do direito à existência, se essa ideia representa um perigo para a vida racial dos portadores de uma ética superior, pois, em um mundo de mestiços e negros, estariam para sempre perdidos todos os conceitos humanos do belo e do sublime, todas as ideias de um futuro ideal da humanidade. A cultura humana e a civilização nesta parte do mundo estão inseparavelmente ligadas à existência dos arianos. A sua extinção ou decadência faria recair sobre o globo o véu escuro de uma época de barbaria.”

Enquanto o filme se desenvolve, a bela trilha sonora, constituída por músicas de Chopin, o acompanha. E por que Chopin? Por dois motivos: porque Szpilman era um especialista nesse compositor e porque este expoente da música clássica era polonês. A título de curiosidade, o nome do aeroporto de Varsóvia é Frédéric Chopin, e, na capital polonesa, ao longo do centro histórico, há os Bancos de Chopin (15, no total), em que as pessoas podem se sentar nos bancos de granito e ouvir as músicas do mestre. Eu tive a experiência de sentar e ouvir a música mais tocada em “O Pianista”: Nocturne in C Sharp Minor nº 20. Foi emocionante

Bancos de Chopin. Localizam-se na Rota Real, em Varsóvia.

Depois de muito sofrimento, e já no final da Guerra, Szpilman conhece um oficial nazista, Capitão Wilhelm Hosenfeld (Thomas Kretschmann), e sua vida terá uma reviravolta. É o final que o espectador espera e que, para a sua felicidade, acontece. Szpilman volta a tocar na Rádio Polonesa e tem a sua dignidade restaurada. É óbvio que esses restauros são relativos, pois sua família foi exterminada, mas, não deixa de ser um retorno à vida. O pior seria se, apesar de toda a luta, ele ainda morresse, como ocorreu com Anne Frank e tantos outros.

“O Pianista” é um filme-documento daquilo que não pode tornar a ocorrer. Infelizmente, porém, a barbárie, o mal-estar, parecem perseguir a humanidade, ou a humanidade parece perseguir as catástrofes e o desconforto (ambientais, morais, etc.). De todo modo, lutar contra o mal não deve ser considerado utopia ou algo banal.

Centro histórico de Varsóvia reconstruído.


Onde assistir? Netflix. Tempo de duração: 2h29min. Classificação indicativa: 16 anos

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